Comprar em supermercados tornou-se uma odisseia para os consumidores. Isso porque o mercado de 'produtos fakes', como compostos lácteos, óleos mistos (no lugar do azeite) e o pó à base de café, está em plena expansão.
A semelhança entre as embalagens desses itens e as dos originais tem levado muitos consumidores a questionarem se, de fato, estão levando para casa aquilo que pretendiam adquirir.
A proliferação desses similares é uma estratégia da indústria para enfrentar momentos de crise: para evitar a perda de receita, as marcas lançam essas versões, buscando oferecer alternativas supostamente mais acessíveis.
Produto Original | 'Produto fake' |
---|---|
Azeite de oliva extra virgem |
Óleo composto ou misto / Óleo vegetal com corante e aromatizante |
Café puro moído |
Mistura de borra de café, cascas e outros grãos |
Chocolate em barra puro |
Mistura de gordura vegetal, açúcar e pouco cacau |
Iogurte natural integral |
Mistura de leite reconstituído, amido e acidulantes |
Leite condensado |
Mistura de soro de leite, açúcar e amido |
Leite de vaca puro |
Bebida láctea com soro de leite, açúcares e espessantes |
Manteiga |
Margarina com corante e aromatizante de manteiga |
Queijo muçarela |
Imitação feita com amido e gordura vegetal |
Queijo parmesão ralado |
Mistura de amido, farelo e corante |
Requeijão cremoso |
Mistura de amido, gordura vegetal e soro de leite |
Source: Elaboração própria • *Embora sua comercialização seja permitida pela legislação, desde que haja clara identificação no rótulo quanto à sua natureza, esses produtos passaram a ser popularmente chamados dessa forma por gerarem confusão e induzirem o consumidor ao erro.
No atual cenário de crise climática — que tem contribuído para a elevação dos preços de diversos alimentos, entre outros fatores macroeconômicos — essa dinâmica pode se intensificar.
No ano passado, a inflação oficial do País, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), atingiu 4,83%. Esse percentual superou o teto da meta estabelecida pelo governo, fixado em 3%, sendo o café (39,6%) e o azeite (21,53%) itens com fortes impactos no orçamento das famílias.
Neste ano, a inflação acumulada nos últimos 12 meses apresentou uma aceleração, atingindo 5,48% em março. Tal cenário econômico é um terreno fértil para a criação dos chamados 'produtos fakes'.
No Brasil, a comercialização desses similares é permitida, desde que seus rótulos informem claramente a fórmula utilizada.
Legenda: 'Requeijão fake' é um exemplo desses produtos
Foto: Ingrid Coelho / SVM
Para o professor Aécio Oliveira, do Departamento de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), isso é reflexo do sistema econômico atual, no qual a inovação de produtos acontece a uma velocidade acelerada para atender rapidamente às demandas.
“As empresas capitalistas adotam isso com muita facilidade há muito tempo. Não é algo novo; é o mesmo, mas com uma maquiagem, uma alternativa para expandir as vendas e acumular riqueza”, observa.
O economista faz uma comparação com o conceito de obsolescência programada, em que a vida útil dos produtos é intencionalmente reduzida para incentivar novas compras.
As empresas recorrem a diversas estratégias, como a obsolescência programada e a introdução de produtos com novas aparências, entre outras", avalia.
Aécio OliveiraProfessor do Departamento de Economia Ecológica da UFC
Segundo Ulysses Reis, professor de MBAs e varejo da Strong Business School (SBS), instituição parceira da Fundação Getulio Vargas (FGV), os 'produtos fakes' são o resultado da prática de reduflação, a qual envolve estratégias variadas além da simples diminuição do tamanho do produto.
Entre elas, destaca-se a substituição de itens de boa qualidade ou que atendem aos padrões de mercado por itens inferiores, seja em qualidade, composição, quantidade ou gramatura, podendo até conter componentes prejudiciais à saúde.
A primeira característica, segundo ele, é a diminuição do tamanho, como se observa atualmente em barras de chocolate, sabão em pó e queijos, por exemplo.
“O segundo fator observado é uma maquiagem, na verdade, para dar a impressão de que o preço não subiu tanto. Isso tem a ver com a composição do produto”, aponta.
“Por exemplo, um chocolate que não é totalmente chocolate: se formos analisar o que está sendo vendido hoje, vamos perceber uma quantidade enorme de açúcar e uma quantidade muito maior de gorduras, inclusive gorduras vegetais, do que propriamente cacau. O cacau, às vezes, está sendo substituído até mesmo por creme de cacau ou outros tipos semelhantes”, lista.
Legenda: 'Queijo fake' é um exemplo desses produtos
Foto: Ingrid Coelho / SVM
Para Reis, é evidente que a proliferação desses produtos traz prejuízos para o consumidor, o qual acaba "comprando gato por lebre", podendo, inclusive, ter sua saúde comprometida.
Mas, além disso, há uma perda de credibilidade para grandes marcas que construíram sua história ao longo do tempo.
“As indústrias de qualidade investem anos na construção de boas marcas. Isso explica o valor superior de uma marca tradicional em relação à marca própria de um supermercado. Esse valor é fruto de um investimento contínuo em qualidade, imagem, propaganda e credibilidade”, destaca.
Quando começam a redefinir suas estratégias, essas empresas perdem o patrimônio cultural e a imagem conquistada perante a sociedade”, completa.
Ulysses ReisProfessor de MBAs e varejo da Strong Business School (SBS)
Na outra ponta, o setor supermercadista se beneficia dessa dinâmica. O segmento registrou um faturamento de R$ 1,067 trilhão em 2024, representando 9,12% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, conforme o levantamento de 2025 da
Associação Brasileira de Supermercados (Abras), realizado com a NielsenIQ.
Reis pondera, contudo, que os supermercados comercializam os 'produtos fakes' como estratégia para se manterem competitivos em um mercado desafiador.
“A renda da população não é reajustada, mas os custos com energia elétrica e impostos aumentam. Isso torna a situação ainda mais difícil, pois o setor busca se manter. Por isso, vemos a expansão do modelo atacarejo como forma de reduzir custos”, observa.
O especialista acrescenta que, nesse contexto, os maiores beneficiados acabam sendo as marcas de segunda linha, sem liderança de mercado ou reputação consolidada.
“Elas têm baixa qualidade, não investem em imagem e costumam surgir em momentos de crise. Isso ocorreu, principalmente, durante o pico da inflação nos anos 1990 e em parte dos anos 2000. Ou seja, são marcas sem credibilidade nem qualidade, que aparecem com qualquer nome, vendem seus produtos e depois desaparecem”, explica.
A coluna buscou o posicionamento da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) e da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) sobre o tema, mas, até a publicação deste texto, não obteve retorno. Em caso de manifestação futura, esta matéria será atualizada.
A nutricionista Viviane Araújo alerta que os ‘produtos fakes’ representam riscos à saúde, especialmente quando adquiridos por engano para idosos e crianças. Esses alimentos podem causar danos devido à presença de aditivos, corantes e conservantes em sua composição.
São produtos ultraprocessados, possuem baixo teor nutricional, podendo acarretar diversas deficiências nutricionais e favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas”, aponta.
Viviane AraújoNutricionista
“O composto lácteo, por exemplo, frequentemente utilizado para substituir o leite e apresentado em embalagens muito semelhantes, geralmente disposto lado a lado com o leite nas prateleiras dos supermercados, contém menos proteína e mais açúcar em comparação com o leite”, exemplifica.
De acordo com Araújo, o alto teor de açúcar aumenta o risco de obesidade infantil e, no futuro, pode levar ao desenvolvimento de resistência à insulina, problemas metabólicos e outras complicações.
Nos idosos, esses alimentos afetam a absorção de nutrientes e agravam deficiências nutricionais.
“Essa faixa etária já sofre com a perda natural de massa magra, chamada sarcopenia, devido ao envelhecimento. O consumo de alimentos com baixo valor nutricional agrava essa condição, o que resulta em um aumento de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares”, destaca a nutricionista.
Ela também alerta que esses produtos contribuem para a deficiência de vitamina D, provocando o surgimento de cálculos renais e tornar o consumidor mais suscetível a quedas e fraturas. “Os perigos são grandes, especialmente para as populações vulneráveis”, conclui.
Entenda conceitos importantes para a economia atual e a agenda climáticaTira-dúvidas
O que é ESG?
ESG é a sigla, em inglês, para Ambiental, Social e Governança (Environmental, Social and Governance). O conjunto de práticas visa reduzir os impactos ambientais provocados pelas empresas e desenvolver um sistema econômico justo e transparente. Por isso, pode contribuir para a descarbonização da economia, termo usado para a redução da emissão de dióxido de carbono (CO₂), principal gás responsável pelo efeito estufa. ESG surgiu em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2004, e também está atrelado aos Objetivos de Desenvolvimento da ONU.
O que é economia solidária?
Enquanto a Agenda ESG foca na incorporação de práticas ambientais, sociais e de governança dentro do modelo empresarial existente, a economia solidária propõe outro modelo econômico, com um novo jeito de produzir, consumir e compartilhar riqueza, fundamentado na cooperação, solidariedade e comércio justo. Nesse sistema proposto, também há preocupação com o uso responsável dos recursos naturais e a proteção ambiental.
O que é COP30?
É a 30ª edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), um evento anual. A COP faz reuniões convocadas pelas Nações Unidas para discutir sobre mudanças climáticas. Este ano marca um momento histórico, pois será a primeira vez que o Brasil sediará a COP, com a cidade de Belém, no Pará.
O que é a Agenda 2030?
A Agenda 2030 é um compromisso global firmado pelos 193 Estados-membro da ONU, com o objetivo de gerar desenvolvimento sustentável nas dimensões econômica, social e ambiental, considerando as prioridades de países e localidades. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são parte da Agenda 2030.
O que é o Acordo de Paris?
O Acordo de Paris é um pacto internacional voltado para conter o aquecimento global, aprovado como lei doméstica por 194 países e pela União Europeia, em 2015. Pelo tratado, a meta era manter o aquecimento abaixo de 2ºC e, na medida do possível, 1,5ºC.
fonte diariodonordeste
Escrito por
Bruna Damasceno
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